Quebrando patentes: pasta gianduja cremosa e caseira
Já faz um tempo que eu queria fazer uma versão caseira da pasta gianduia, ou gianduja em italiano, a pasta cremosa de avelãs e chocolate mais conhecida ao redor do mundo como Nutella. A base do Nutella é a pasta gianduja uma mistura aparentemente muito simples de se fazer: massa de avelãs produzida a partir do longo processamento das avelãs em moinho e chocolate ao leite.
As versões industriais para comercialização em larga escala da pasta gianduja, iniciada com o nome de Nutella em 1964, contém uma série de outros ingredientes como óleos vegetais, conservantes e aromas. Na minha aventura em 'gianduja' o mistério estava em achar uma boa proporção entre a quantidade de avelãs e de chocolate de modo que o sabor lembrasse aquele do Nutella mas ao mesmo tempo eu queria um sabor mais intenso de avelãs. Eu queria adicionar um percentual maior de massa de avelãs à mistura para ficar mais saudável, mas queria que o sabor final fosse razoavelmente semelhante ao Nutella para agradar as crianças, acostumadas com Nutella.
Nutella, de acordo com dados da Ferrero, contém 13% de massa de avelãs, menos da metade desse percentual de chocolate, leite em pó, manteiga de cacau e óleos vegetais para manter a suavidade. Os concorrentes comerciais do Nutella ao redor do mundo, como o Nugatti norueguês e o Choconut da Nestlé Internacional contém respectivamente apenas 6% e 5% de massa de avelãs e um alto percentual de açúcares. Versões da pasta gianduja cremosa produzidas em escalas não industriais por empresas menores, em escalas muito menores, existem em toda Itália. Essas versões, entre as quais a Nocciolata que eu compro aqui de vez em quando. Além de orgânico contém maior percentual de massa de avelãs, em torno de 20% e o preço final é muito mais alto do que o Nutella e seus genéricos.
Você então me pergunta. Qual o problema de comprar o Nutella no pote? Nenhum. Por que fazer uma imitação do Nutella em casa? Já que posso fazer, eu quero tentar. Tudo foi facilitado por uma massa de avelãs dinamarquesa de boa qualidade que simplificou a minha vida já que nem o meu processador, nem o meu liquidificador eram capazes de produzir a massa de avelãs fina e cremosa o suficiente para a experiência. E olha que eu tentei. Por isso eu usei a massa de avelãs da Anthon Berg que os dinamarqueses e noruegueses chamam de blød nougat e que contém 45% de avelãs além de manteiga de cacau (gordura), lecitina de soja (emulsionante) e açúcar.
O produtor dinamarquês Anthon Berg garante que seu produto é uma autêntica gianduja, produzida de acordo com a receita italiana de 1865. É muito interessante conhecer um pouco mais sobre a historia da pasta gianduja e do Nutella, produtos tradicionais italianos que se espalharam pelo mundo e que remetem ao papel importante da Itália, e das avelãs italianas, na criação de um dos bombons mais saborosos do mundo que é produzido hoje por todos os principais chocolatiers do mundo. Gianduja é o meu chocolate preferido.
(Acima a pasta de avelãs produzida pela fábrica dinamarquesa Anthon Berg com 45% de avelãs vista de perto)
O primeiro bombom gianduja foi produzido em Turim para o Carnaval de 1865 e depois de moldado, em forma de cone ou de uma pequena montanha, era coberto por um fino papel dourado que lembrava a máscara de Carnaval tradicional de Turim, conhecida como nome de gianduja. O chocolate foi então batizado como giandujotto para homenagear a máscara dourada. O formato tradicional do bombom em forma de cone ou piramidal também seria homenagem as montanhas do Piemonte de onde saem as avelãs do giandujotto.
Segundo Gigi Padovani historiador italiano, o chocolate giandujotto foi o primeiro bombom de chocolate embalado individualmente vendido no mundo. De acordo com Padovani, que escreveu um livro sobre o Nutella, até que os suiços descobrirem as técnicas para preservação e empacotamento dos bombons de chocolate o giandujotto permaneceu com o único bombom de chocolate 'vestido' feito na Europa.
Desde então o giandujotto ou giandujot, assim como o Nutella, são marcas registradas, controladas, mas bombons gianduja, ou gianduia, são produzidos todo canto e sempre embrulhados em papel dourado. Em algumas caixas de bombons o gianduja é o único que vem embrulhado, sempre em papel dourado. Alguns chocolates belgas o fazem em forma de cone, parecendo um cone de sorvete com o creme de gianduia saindo do cone de papel dourado.
Já o Nutella, a gianduja cremosa para passar no pão, é uma invenção de Pietro Ferrero criada em 1944 para ser o "dolce dei poveri", uma alternativa economicamente viável para o empobrecido trabalhador italiano do pós-guerra. O Nutella começou sendo chamada de Supercrema gianduja e apenas em 1964 o creme recebeu o nome que mantém até hoje e com o qual saiu da Itália, de Turim, para conquistar o mundo. A idéia do criador do Nutella era fazer uma pasta gianduia cremosa o suficiente para ser usada no pão no lugar do molho de tomate, do queijo e do salami. No site da Ferrero você pode conhecer um pouco da história do Nutella e a história dá para ser lida em várias línguas, basta achar o site no país certo.
Para fazer o minha pasta gianduja caseira eu fiz uma série de experiências cujos detalhes eu planejava apresentar por aqui, mas a coisa foi ficando tão grande e complicada que a idéia de detalhar as experiências estava condenando esta postagem a não sair da gaveta nunca mais.
Entre as experiências que não deram certo e cujos resultado não serão exibidos aqui estão: (1) usei a massa de avelãs com chocolate amargo em quantidade idênticas, i.e. 50% massa de avelãs e 50% chocolate; (2) pasta gianduja com chocolate ao leite e massa de avelãs em quantidades idênticas; (3) pasta gianduja com chocolate ao leite, massa de avelãs e manteiga; (4) avelãs moídas, chocolate derretido, manteiga, leite em pó e açúcar de confeiteiro (5) a versão quase perfeita(*) com chocolate ao leite, massa de avelãs e creme de leite com 20% de gordura na seguinte medida: 40% chocolate ao leite, 40% creme de leite e 20% massa de avelãs. Nem todas as experiências mencionadas acima foram feitas usando uma massa de avelãs com 45% de avelãs. Algumas tentativas foram feitas com a massa de avelãs caseira, feita com avelãs ultra-moídas, açúcar de confeiteiro e clara de ovo, mas essas ainda não ficaram boas pois ficaram muito secas e oleosas no final. Eu ainda pretendo aperfeiçoar a minha técnica para fazer 'marzipã' de avelãs e achar o óleo perfeito para adicionar à mistura.
Pasta gianduia (gianduja) cremosa caseira
100 ml creme de leite com 20% de gordura
100 gramas de chocolate ao leite com pelo menos 40% de cacau
50 gramas de blød nougat premium (pasta de avelãs dinamarquesa com 45% de avelãs)
1 colher de chá de extrato natural de baunilha
Como:
Pique o chocolate e o nougat em pote de vidro. Ferva o creme de leite e jogue o creme fervido sobre o chocolate e o nougat e mexa suavemente até que o creme derreta o chocolate e o nougat e forme uma massa totalmente homogênea. Deixar esfriar e ir mexendo suavemente durante um dia inteiro. Não leve a geladeira pois vai endurecer muito e perder o brilho.
O lance do brilho está diretamente ligado a fatores como a quantidade de gordura, a mudança das temperaturas e a quantidade de chocolate no produto final. Guarde em lugar seco e fresco embalado em pote de vidro esterilizado. Consuma em 3 dias.
Aqui é fácil manter o gianduia fora da geladeira e ainda conseguir que ele mantenha a textura idêntica a do Nutella, nem duro, nem mole, mas eu sei que no Brasil e outros países mais quentes a coisa é mais difícil. Neste caso eu sugiro adicionar algum produto espessante para evitar a geladeira a todo custo.
Obs. 1 - Foi uma delícia provar cada uma das minhas versões, ainda que nem todas tenham agradado as crianças. As versões com menor apelo ao público infantil são aquelas com chocolate amargo. Existem diversos chocolates gianduia feitos com chocolates amargos e semi-amargos mas para passar no pão a pasta com chocolate ao leite faz muito mais sucesso. Eu costumo usar a gianduia amarga para outros fins, como rechear biscoitos e fazer cobertura de bolos.
Obs. 2 - A história do Nutella é muito interessante e revela, entre outras coisas, a lógica perversa do comércio internacional de commodities. Eu espero voltar para falar mais sobre este aspecto outro dia.
(*) quase perfeita pois as crianças acharem que o creme tinha sabor forte de avelãs. Era exatamente o que eu procurava. Elas agora tem comido tudo sem falar nada, já acostumaram e agora amam.
Comentários
Adoro esses desafios de quebrar patentes! Deve ter ficado mto bom, alias, não tem como ficar ruim!
Bjos
Parabens tem optimo aspecto nessas tacinhas, eu comia mesmo ás colheres, nem precisava de bolachinhas para barrar hehe.
bjinhos
Sem dúvida, gianduja fica bom de qualquer jeito e vale todo o esforço, que não foi muito. Obrigada pela visita.
Alcina,
Então, não tenho como negar, é mesmo coisa de mãe. Eu acho que jamais teria pensado em fazer meu próprio Nutella se eu não achasse que a coisa poderia ficar mais saudável. O fato que as crianças aqui amam pão com nutella, tinha que inventar.
Beijos,
C.
Bjs
adorei suas experiências.. não sei se teria tanta paciência como vc!
bjão querida
1. Parabéns pela aula!!
2. Obrigado pela aula!!!!
3. Dividimos a mesma preferência quanto ao tipo de chocolate: para mim, gianduja é um presente dos deuses.
Bj,
Bergamo
Acabo ficando com o Peanut Butter da Smucker's, mas quase não como. Sou muito de fases.
Bjs :)
Você gosta de fazer experiências e teve um final feliz. Parabéns!
Bjs.
ARRASOU, meu bem!!!!!!!!!!
Esse post é do tipo "a ser arquivado"...muito bom.
bjoo
si
Achei aqui.
Ela ama nutella.
Alias as minha duas lindas, amadas e mimadas filhas adoooooooram nutella.
Só fico chateada porque apesar da sua receita e das explicações não da para reproduzir o feito por aqui - moro no fim do mundo e não encontro nenhum ingrediente de respeito para me aventurar.
De qualquer jeito valeu pela explicação... Agora virei "perseguidora" do seu blog.
Parabéns (... Essa palavra ainda tem acento?????)
Beijos!
Cláudia Bárbara