Açúcar... e um pâte de pommes



Quando eu comecei a escrever este blog eu não podia imaginar que ele iria "falar" tanto sobre doces. Claro que os doces estavam/estão no centro do 'processo melancólico-alimentar'(*) que me levou a criar este blog. Mas a coisa toda foi ficando mais séria na direção do açúcar e hoje eu percebo que, aos poucos, o blog se tornou um blog de sobremesas. Eu nunca pensei que isso iria acontecer. Foi uma coisa totalmente natural e o açúcar se tornou o principal ingrediente deste meu bloguinho. Se por acaso eu precisar retirar o açúcar da minha vida o blog acaba, perde a razão de ser. Mas eu acho que isso não vai acontecer pois, apesar de tudo, eu como pouco açúcar em si.

Mas enfim, a onda do açúcar foi se afirmando no blog e, de certa forma, tudo começou a fazer sentido para mim. Acho que eu tenho mesmo uma certa adoracao por açúcar, nutro por este ingrediente um amor de longa data que nada tem de platônico. Meu amor pelo açúcar é intenso, quente, apaixonado. Espero que jamais se torne devastador ou auto-destrutivo, mas os caminhos do amor são inexplicáveis e imprevisíveis. E dando liga neste amor todo está uma pesada e aberta influencia francesa que soma-se lindamente (acho eu!?) à brasilidade da minha base. Desta relacão de amor intenso, atualmente vivida em cenário norueguês, eu retiro apenas alegrias.



Na onda do açúcar, puro açúcar, nada mais do que açúcar, eu fiz um doce muito gostoso, mas um dos mais açucarados publicados por aqui. O Per ficou enlouquecido e comeu um monte deles de cara, um atrás do outro. Eu nunca tinha visto Per comer alguma coisa daquele jeito que não fosse chocolate. O que eu fiz foi o que os franceses chamam de pâte de fruits, uma geléia de frutas cozidas por um tempo razoavelmente longo no suco de uma fruta com alto teor de pectina natural até formar a base de um doce conhecido no Brasil como jujuba.

Existem mil maneiras de fazer o patê de fruits dos franceses. Uma delas é usando suco de maças, outra é usando pectina (natural ou não) em pó, outra é usando gelatina, ou ainda pectina e gelatina juntas, ou glucose e por aí vai. Fiz a mais natural de todas as receitas para experimentar o processo sem adição de nada além do açúcar. Eu adorei o resultado, as maças italianas estavam maravilhosas e o doce ficou lindo. O problema da receita é que ela é doce, muito doce mesmo, mas tem um sabor delicioso. A baunilha foi uma adição inesperada minha e que conferiu sabor e um perfume mais sedutor. Além disso as sementinhas dão um charme todo especial às geleinhas. Sem açúcar elas chegam perto de parecer as geleinhas de açúcar e baunilha do Senhor Adriá. Mas uma olhada nas proporções da receita e vem a certeza de que as geleinhas dele devem ser ainda mais doces do que a minha.


(Dá para ver as sementinhas de baunilha no doce antes de açucarado)


Eu fiz as geleinhas de maça i.e. pâte de pommes para levar à festa do time de handball da Estela. As meninas adoram balas de goma coloridas, cheias de corante, aromatizantes, conservantes e açúcar. Na semana passada eu comi uma das balas compradas pela Estela (com recursos fornecidos pela vovó Louise, mãe do Per) e levei um choque. Comi uma jujuba (bala de goma) açucarada vermelha em forma de coração que além de ter um sabor horrível era extremamente doce. Doce, doce, doce. Mas um doce ruim, ruim mesmo. Parecia um remédio para tosse, sabor morango, em forma de bala. Na hora eu falei: Estela, não vou deixar nunca mais você comprar essa porcaria! Eu tento ser uma mãe liberal, deixar que eles escolham uma pocariazinha para comprar de vez em quando, com fundos próprios, mas não dá. A coisa é assustadoramente péssima. Eu precisava intervir, criar alternativas.

E voilà! O tiro saiu pela culatra. Estela comeu algumas mas hoje, depois da festa, confessou que não gostou muito. As coleguinhas desconfiaram das minhas balas feitas em casa, mas comeram. Algumas adoraram, outras não tiveram coragem de dizer que não gostaram, ou estranharam. Do meio quilo de bala oferecido de bandeja pouco menos da metade voltou para casa. Sobrou! Natural? Talvez. Mas eu não vou desistir facilmente. Semana que vem vou tentar fazer o pâtes de fraises . Nada contra o açúcar, nada contra comer balas de vez em quando, mas tudo contra comer uma coisa de sabor péssimo, totalmente artificial e perigosa à saúde.



Geleinhas de Maça e Baunilha (pâte de pommes)


10 maças (aproximadamente 2 kg)
1/2 xícara de água
Aproximadamente 400 gramas de açúcar (a quantidade de açúcar depende da quantidade final de purê de maças)
1/2 xícara de suco de limão amarelo (siciliano)
Raspas de uma fava de baunilha
Açúcar cristal para passar nas geléias

Como:

Descasque as maças e sem tirar o coração das maças (aquele centrinho onde ficam as sementes) corte-as em quatro ou oito pedaços. Coloque as maças cortadas, com as sementes, numa panela de fundo grosso juntamente com meia xícara de água fria e cozinhe as maças em fogo médio até que elas fiquem bem macias, aproximadamente 20 minutos, mexendo de vez em quando. Se a água da panela secar adicione colheradas de água para nao deixar que as maças fiquem muito secas enquant cozinham. Enquanto as maças cozinham forre uma forma retangular baixa com papel manteiga de modo que o papel cubra os quatro lados da forma.

Depois que as maças estiverem cozidas e bem macias, retire-as do fogo e passe-as num processador de alimentos. Depois de processar as maças, passe o purê das frutas por uma peneira fina até que saia um suco de maças bem grosso. Se você não tiver um processador, nem liquidificador, amasse as maças com um amassador de batatas até formar um purê de maças e depois passe o purê na peneira fina. Retire o máximo de líquido possível das frutas, amassando bem cada pedaço de fruta para retirar todo o sumo/suco. Descarque os pedaços de que ficaram na peneira.

Pese o sumo/suco de maças pois é o volume obtido que vai definir a quantidade de açúcar necessária. Depois de pesado transfira o purê de maça para a panela. As minhas maças renderam pouco mais de 400 gramas de purê, por isso adicionei a mesma medida de açúcar (de cana), o suco de limão e as raspas de baunilha. Agora cozinhe até formar uma geléia bem grossa. Primeiro cozinhe em fogo médio, mexendo sempre com uma colher de pau para não pegar no fundo da panela. Depois que ferver reduza o fogo e deixe cozinhar por aproximadamente 45 minutos a uma hora, ou até que a geléia esteja soltando do fundo da panela. Teste de seguinte forma, passe a colher no fundo da panela, se formar um caminho deve estar no ponto.



Retire a panela com a massa de geléia que deve estar com uma cor levemente dourada e opaca. Transfira para a forma preparada Deixe esfriar na forma e ponha na geladeira por pelo menos 24 horas. O ideal são 48 horas. Depois de seca corte em pedaços e passe pelo açúcar cristal. Você também pode moldar as geléias em formas de de bombom de silicone ou plástico com formatos diferente. Para facililtar na hora de desenformar, unte as formas com uma fina camada de óleo de girassol.

Dependendo do clima do local pode secar mais rápido. Aqui seca bem rápido, mas no Brasil onde é muito húmido deve demorar mais e derreter mais rápido. Se você estiver em local muito quente ou húmido vai precisar ter cuidado para a geléia não derreter depois de cortadas e mele todo o acúcar. Você pode passar pelo açúcar de confeiteiro se preferir, confere sabor e textura diferente, mas eu não gosto.

Rende de 50 a 60 geléias, dependendo do tamanho.



Obs 1. Maças tem uma altíssima concentração de pectina natural e a geléia de maça não precisa receber adição de pectina em pó. A região central da maça, as sementes inclusive, concentram a maior parte da pectina.

Obs 2. As minhas 10 maças (quase dois quilos) renderam pouco mais de 400 gramas de purê. Para 400 gramas de purê eu usei 400 gramas de açúcar.

Obs 3. Use açúcar de cana. No Brasil açúcar é naturalmente de cana mas em outros cantos do planeta se consome açúcar de outras naturezas. Açúcar de outras naturezas não carameliza como açúcar de cana.

Obs 4. Você pode usar a fruta que desejar para fazer pâte de fruits mas vai precisar adicionar quantidade de pectina ou de suco de maça fresco à mistura pois nem todas as frutas tem pectina suficiente para dar liga (endurecer) a geléia. Vou fazer o pâte de fruits de morango em breve usando uma medida do suco de maças e vou publicar o resultado.

Obs 5.A xícara da medida usada tem 250ml

Um agradinho adorável que recebi de uma amiga portuguesa, bracarense, muito querida e que como eu também vive em Trondheim... Não preciso dizer o quanto eu amei!



(*) Não me peça para explicar a natureza deste processo.

Comentários

Cláudia,
Eu adoro esses tipos de geleinhas. Quando meus filhos eram pequenos, sempre fazia, nos aniversários, geleinha de pinga colorida com gelatina vermelha.
Como você, eu também adoro açúcar. Não exagero, mas não dispenso um bom docinho.
Beijos
Mari disse…
Claudinha querida, como adoro seus posts! A descrição de sua relação de amor com o açúcar me deixou encantada, "viajando" muito... também sou adoradora de açúcar... apesar de estar fazendo regime, não consigo passar sem um pedacinho (por ínfimo que seja) de doce. Parece que sempre falta alguma coisa! Mas também evito excessos... sempre faço doces em casa, mas mando pelo menos metade da porção (ou mais) para os meus sogros... assim, eu como meu naquinho e evito a tentação de comer demais... rs
Eu também me preocupo demais com a alimentação da Isabella, e com o que ela come na escola. Evito fornecer recursos para que ela compre essas coisas cheias de corantes, conservantes, e produtos artificiais, que afetam a saúde... procuro fazer bolos, pães, muffins e salgadinhos em casa, e ela leva na lancheira... no início ela chiava um pouco, queria dinheiro para comprar lanche na cantina, como os amiguinhos.... se deixei 5 vezes, no ano passado, foi muito... e ela, por si só, acabou preferindo os quitutes q eu fazia.... Também tento ser uma mãe liberal nesse sentido, pode comer bala, porcaria de vez em quando, mas... coisa lotada de corante, com gosto de xarope, aí nao dá mesmo!!!
Suas geleinhas ficaram maravilhosas, as fotos, como sempre, ficaram lindíssimas!!!
Que delícia de presente você ganhou também... os doces portugueses são maravilhosos, sem exceção!!
Beijo grande, (e desculpe pelo comentário imenso, me empolguei.. rs)

Mari
Vivian disse…
Oi Claudia, nao sei a idade da sua filha, mas essas crianças geralmente gostam do que nao presta. E nós, como salvadoras da boa alimentaçao nos descabelamos na cozinha, ficamos horas com a barriga no fogao pra depois ouvir: NAO GOSTEI !!!. Nossa, como ouço isso rs. Estou fazendo um curso esta semana e percebi que a maioria das coisas que o chef tá ensinado nao vou poder repetir na minha casa. Por quê? pq tenho 2 seres chatérrimos pra comer: marido e filha rs. Mas fico feliz em fazer algo só pra mim, às vezes rs

Bjks
Cláudia,
O seu blog devia passar a chamar-se Doce Saudade, Mas eu gosto dele de qualquer jeitopois tudo o que aqui aparece é genuíno e feito com muito carinho e isso sente-se, não preciso de provar para saber que é bom.
Concordo contigo, a maioria dos doces de compra para os miúdos são péssimos, eu tenho uma amiga que faz esses doces em casa vou perguntar como se fazem e depois digo-te, ela faz peixinhos, corações e outros formatos, desconfio que tem umas forminhas próprias. Ficam lindos e vistosos para as crianças.
E adorei as tacinhas de vidro que parecem ser muito antigas.
Beijo e bom fim de semana
Moira
Olá Cláudia!!

Compreendo perfeitamente essa adoração pelo açúcar...eu, desde que vim para Palma tirar o curso de cozinha já adorava doces e, agora, a minha certeza é maior do que nunca...os doces são a minha profissão!:)

Essas geleias de maçã com baunilha devem ficar óptimas!...na escola fazemos este tipo de gomas quase diariamente e são óptimas para um petit-four depois de uma bela refeição!:)

Que sorte ter recebido essa caixinha de ovos moles de aveiro!
Eu costumava detestar esses doces e apesar dos doentes do meu pai lhe oferecerem esses doces vezes sem conta (ele tem um consultório muito perto de aveiro) eu recusava-me a comê-los.
Agora adoro esses docinhos e até já tenho saudades de comer uns!:)

Beijinhos!
Gina disse…
Cláudia, concordo com você em gênero, número e grau...rsrs! Meu blog tem muito mais receitas doces que salgadas, muito mais ...No entanto, embora viva fazendo-os, gosto de retirar o excesso de açúcar das receitas.
Agora, convenhamos, entre comer uma jujuba artificial e essa sua, sem comparação!
Bjs.
Isabel disse…
Cláudia eu ligo muito esse tipo de gomas(é assim que chamamos aqui!!!) à minha infância. Eu comia muito e ainda hoje adoro, mas sempre comprei feito, um dia adoraria experimentar fazer em casa.
Eu adoro o seu blog assim, cheio de açúcar!
Bjs
Glau disse…
Clau, acho que eu daria as mãos pra Estela.. nao sei pq mas a consistência destas balinhas nao me agrada tanto :)

eu sempre fui do salgado.. coloca uma torta de palmitos ou uma torta de morangos.. fico com a torta salgada, mas no meu blog só consigo fazer doces! Aliás, ultimamente nao consigo fazer nada! ando numa relação de "inhaca" com a cozinha!

bjos querida
Ps: mas estes doces portugueses.. deixaria a torta de palmito de lado :)
Claudia disse…
Glau,

Você não sabe o que perde. As geleinhas naturais ficam durinhas depois de uns dois dias secando e o sabor é uma coisa maravilhosa. Uma geléia de maça com baunilha. Tuuuuuddddoo de bom!

C.

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