Macarônicos: macarons de baunilha e gianduia
Anteontem, sexta-feira, lá pelas tantas percebi que estava com duas claras de ovo sobrando e, ao invés de congelar como sempre faço, decidi deixar as duas meninas passar a noite ali mesmo, num pote de vidro coberto por filme plástico. Deixei as claras descansando fora da geladeira, sobre a bancada da cozinha, já pensando em usa-las num determinado docinho francês que pede claras envelhecidas.
No dia seguinte, ontem, durante o café da manhã, fiquei matutando se queria, ou não, tentar fazer o tal docinho que até então eu nunca havia feito. Decidi que iria tentar fazer o doce e não precisaria me preocupar com os prejuízos caso desse tudo errado, afinal, vale a pena perder duas claras, uma xícara de açúcar e meia de amendoas para lançar as mãos numa novidade.
Isso deve ser uma tara minha, uma total obsessão pela culinária francesa, sei lá. Por que será que num mesmo final de semana eu faço massa folheada, crêpes e macarons? (Sim, ainda rolaram uns crêpes aqui em casa neste feriado e depois eu explico mais sobre isso). Que poder é este que essa gente tem sobre a minha pessoa, i.e. meu estômago? Fato inexplicável.
Ontem pela manhã decidi fazer os doces. Se desse razoavelmente certo levaria os macaronzinhos para a casa de uma amiga onde as crianças iriam caçar ovos no jardim. No projeto usei uma receita para lá de simples, de um moço com um estilo digamos, assim, mais simplista. Eu tinha um zilhão de receitas de macaron para testar, a maior parte delas disponíveis na internet, e quase que todas 'impróprias para o uso doméstico', compostas por montes de barreiras, técnicas complicadas e até mesmo fantasias. Tipo assim: depois de quebrar os ovos dê 3 pulinhos em direção ao norte senão o suspiro perde o ponto; ou assim: se você não usar uma espátula de borracha com 30 cm de altura e não suspirar 3 vezes enquanto mexe a massa, você vai acabar com uma silhueta tão esbelta quanto a do Pierre Hermé...
Diante de tantos pré-requisitos ficava claro para mim que se algum dia eu fosse me aventurar a fazer um macaron tinha que ser a partir da receita de alguém que de alguma forma desmistificasse esse doce. Alguém que apresentasse o doce de forma "caseira", simplificada, desburocratizada e menos doce. E esse alguém foi o David Lebovitz. Eu nunca fui uma fã nem do blog, nem dos livros desse rapaz. Não senhoras! Nunca fui tiete. Mas fui me rendendo a ele, aos poucos, ainda com muitas reticências(*). Mas o senhor Lebovitz de certa forma desburocratizou o macaron e me deu vontade de fazer do jeito dele.
E eu acho que a receita funcionou até que bem. Não ficou perfeito, claro, de jeito nenhum. Eu já comi muitos macarons nesta vida para achar que minha primeira fornada sairia a altura dos macarons que eu já provei mundo a fora. Mas ficaram decentes em sabor. Entre os problemas encontrados: eu acho que as minhas claras não eram grandes o suficiente para a quantidade de farinha e açúcar e eu achei que a massa final ficou um pouco grossa, mesmo estando no ponto. Dá próxima vez, melhor pesar as claras. Outro problema importante é que o meu processador não faz uma farinha de amendoas ultra fina e ela ficou um pouco pedaçudinha. Eu preciso de um pilão para produzir uma farinha de amendoas bem fina, a altura do açúcar de confeiteiro. Quando eu uso em bolos a farinha fica ótima, mas quando exposta num doce como macaron os pedaçinhos ficam muito aparentes. Meu sonho de consumo é um pilão de farinha, daqueles grandes. Sou moderna para caramba, não sou?
Quanto a mitologia 'macarônica', a única lenda que eu segui foi deixar as claras envelhecendo por uma noite ao ar livre (fora da geladeira). Segui as dicas do Lebovitz e não deixei os macarons descansarem antes de assarem. Em geral sugere-se deixar de 15 minutos a uma hora para formar uma casca antes de ir ao forno. Mal acabei de decorar os bichinhos com farelos de pistache e eles foram para o forno. Ao que parece o fato de não terem descansado não virou um problema na hora de formar pezinhos.
Assim como Lebovitz, não fiz merengue italiano, nem suíco, nem francês. Bati as claras com o açúcar numa batedeira, adicionei as amendoas misturadas com o açúcar de confeiteiro e pronto. Forno e finito! Nada mais. Senhor Lebovitz é um tanto contraditório em suas teses, ao mesmo tempo que tenta quebrar regras defende que macarons são difíceis de se fazer. Mesmo assim, vale a pena testar a receita dele.
O único probleminha que eu achei com a receita do Lebovitz foi o tempo de forno. Como o meu forno é muito eficiente, segue a risca a temperatura marcada, os 12 minutos indicados por ele foram longos demais e primeiro tabuleiro ficou mais escurinho do que os demais. Os dois tabuleiros seguintes foram assados por 10 minutos e ficaram perfeitos em cor. Mas eu fiz macarons pequeninos pois acho que grandes demais são muito enjoativos. Eu acho que o tempo de forno ideal são 8 minutos. Mas preciso de paciência para voltar a testar.
Como todo macaron que se preze o resultado é bem doce, doce demais dependendo do sabor que se use. O recheio precisa ser um tanto amarguinho para fazer um contraste.
Macaron de Baunilha
(adaptado de receita de macaron de chocolate do blog David Lebovitz, a receita original em inglês aqui)
2 claras de ovos grandes
1/2 xícara de farinha de amendoas
1 xícara de açúcar de confeiteiro
3 colheres de sopas de açúcar cristal (granulado)
1 colher de chá de extrato natural de baunilha
Como:
Forre duas ou três formas retangulares médias, ou grandes, com papel manteiga ou folha de silicone e reserve. Aqueça o forno a 180C.
Num pote peneire e misture a farinha de amendoas e o açúcar de confeiteiro. Se puder bata os dois ingredientes num processador para que fiquem bem finos e incorporados. Lebovitz frisa que deve-se evitar bolas de farinha de amendoas e açúcar a todo custo.
Num pote de vidro ou metal (evite plásticos) bata as claras em neve, usando uma batedeira em potência alta, até que elas fiquem mais ou menos duras. Adicione então o açúcar, aos poucos, sem parar de bater as claras. Adicione a baunilha e continue batendo até obter um suspiro brilhante e duro, mas não muito seco.
Adicione a mistura de amendoas e açúcar ao suspiro (merengue) e com uma espátula mexa, suavemente e sem bater, até incorporar totalmenteas farinhas às claras. Não mexa demais para não tirar todo o ar das claras e não mexa de menos para não deixar a massa muito aerada, parecendo um suspiro. Mexa o suficiente para incorporar tudo e, de acordo com Lebovitz, não deixar partes bolos de farinha na clara, nem marcas de claras na farinha.
Coloque a massa num saco de confeiteiro ( ou um saco plástico limpo com uma das pontinhas cortadas) e forme círculos iguais com a massa nas formas reservadas. Decore com pistaches picadinhos ou outro tipo de cobertura. Asse a 180C por 10 a 12 minutos. Fique de olho até achar o tempo ideal para o seu forno e o tamanho dos seus doces.
Deixe esfriar e retire do papel manteiga com bastante cuidado. Minhas conchinhas estavam muito resistentes e apenas duas delas quebraram na hora de remover. Mas soltaram facilmente do papel, principalmente no ambiente seco da minha cozinha.
Rende aproximadamente 50 conchinhas, 25 parzinhos.
Ganache de Blød Nougat
Usei a mesma ganache que já tinha em casa para rechear os macarons.
50 gramas de chocolate meio amargo com 60% de cacau
50 gramas de blød nougat com 43% de avelãs
30 ml de creme de leite
Derreta em banho maria o chocolate, o nougat e junte o creme de leite no final misturando bem para formar um creme homogêneo. Leve para gelar por pelo menos 6 horas.
Importante: Gostaria de frisar que eu acho confeitaria uma arte difícil e séria, onde temperaturas, medidas, tempo de cozimento, mexidas demais ou mexidas de menos, cozimento rápido demais ou lento demais, podem gerar resultados decepcionantes e inesperados. O famoso macaron talvez o exemplo mais extremado dos exageros que cercam os mistérios da confeitaria. Mas, diferentemente do que pensam alguns, munidos de uma boa receita e de uma cozinha com boas temperaturas, nós, mulheres não-confeiteiras profissionais, as vezes chegamos lá, ou chegamos perto.
Imaportante 2: Hoje é aniversário da Glau, uma mulher incrível que faz um blog muito divertido, rico e querido. Estes 'macarones' são dedicados a ela. Glauzinha, a tua vida está apenas começando... Agora é que vai começar a ficar bom.
(*) Minhas reticências em relação ao senhor David Lebovitz são resultado da postura protecionista demonstrada regularmente por este autor em relação a comércio internacional de alimentos e ao sistema de produção agrícola que impera nos EUA e na Europa. Como bem se sabe, o simpático universo dos blogs de comida e dos livros de culinária vai além dos interesses e talentos pessoais de seus autores, ele também espelha a relação de forças desigual e o injusto sistema que controla o comércio internacional, em especial a produção de alimentos e o comércio de commodities.
Comentários
Para uma primeira experiência achei que ficaram muito bons. É quando a gente sente as maiores dificuldades por nunca ter feito. Depois certamente ficará craque e conseguirá fazer no ponto desejado. Achei sábia a opção de fazê-los em tamanho bem pequeno. Além de ficarem mais delicados, compensam o excesso de doçura.
Bjs :)
Macarons são lindinhos e bem gostosinhos, mas muito doces. Uma espécie de suspirinho amendoado de consistência mais densa, bem menos aerado do que os suspiros, mas tão doces quanto. Os sabores adicionados, assim como as nozes podem ser alterados ao gosto do freguês, assim como as cores e taí a causa de tamanha sedução.
Fiz eles mais de brincadeira do que na esperança de que fossem ficar bons. Mas gostei do resultado. Quem sabe não tento novamente.
Bj,
C.
Ficaram fofos os seus maracons.
Beijos.
Edilia
Brigadão minha amiga, Glau
Bjs
Este seu post fez-me ver os macarons com outros olhos e tornou fácil uma coisa que sempre ouvi dizer que era dificil de fazer.
Também já vi tanta receita e tão diferentes que nunca soube qual escolher. Sei que ainda um dia vou tentar fazê-los, só tenho que ganhar coragem e um dia, sem pressas, eu vou experimentar, até porque claras, eu tenho sempre de sobra, ainda este fim de semana fiz um pudim só de claras para o almoço da Páscoa, só não tirei fotos.
Beijinhos
Moira
eu gostava mesmo era de ter a sua mão para fazer essas coisinhas lindas com cara de montra de "confiserie".
E vc ainda diz que estão "só" decentes.
Uma pessoa chega aqui, e apetece fazer encomendas: olhe, destes macarons pode ser 2 dúzias, ok? Mas a preço de Portugal, e não da Noruega... rsrs
(aqui os morangos tb estão a 1€ cada 500gr, se aí é 2,5€, é só fazer a conta...)
Bjs
Beijos,
Lara
Eu ainda não criei coragem:)
Seus macarons ficaram super apetitosos.
Beijinhos
As comidinhas sofisticadas, bonitas e gostosas têm, no fundo, um travo amargo de muita inconsciência e pouca justiça!
Eu explorei seus outros blogs e vejo como vc pensa e vive. Mas quase ninguém comenta.
Ai, que medo da mulher empunhando o forcado e arrancando a Maria Antonieta do palácio, ou então a camponesa sentando-se à minha mesa para compartilhar meu churrasco e cerveja!
Cheers!
vc tem um talento nato para a confeitaria...já nao está na hora de abrir uma patisserie???
como assim os macarons saíram perfeitos de cara, na primeira vez????assim nao vale!:-P
hahahha...parabéns ficaram lindos!!
bjoos
si
Parabéns pelo Blog está um Encanto e muito gostoso de ler.