Romeu e Julieta com farofa de castanha do pará no copo...
Impressionante como a mente dá voltas longas. Ontem e hoje, ao fazer este doce, lembrei muito de fatos e pessoas que eu não vejo há muito tempo. Primeiro eu lembrei da moça que fazia este delicioso creme de iogurte e queijo com calda suave de goiaba e que vendia na redação do jornal Folha de S.Paulo. Eu comia este creme regularmente nos meus tempos de Folha, nos dias em que a tal moça, uma mulher adorável, aparecia na redação do jornal, já no final do dia, para nos trazer sanduíches, bebidinhas e sobremesas maravilhosas. As noites de sexta feira, durante o "pescoção" ela ocupava as mesas da Ilustrada, já totalmente vazias aquela altura da noite, com cestas e potes térmicos cheios de delícias para alimentar jornalistas e fotógrafos famintos e exaustos.
Todas as sextas a tal moça (adoraria poder publicar seu nome, mas fiquei insegura) trazia um pudim cremoso de queijo com calda de goiabada, muito parecido com o que publico aqui hoje. Foi com ela, numa daquelas longas sextas feiras na Folha, que eu provei pela primeira vez esta goiabada com queijo na taça, lindamente travestidos de pudim. Isso entre 1994 e 1995. Aí lembrei que em 1996 eu fiz uma festa de aniversário grande no meu apartamento no bairro do Sumaré, para onde havia me mudado no começo de 1996. Para a tal festa eu encomendei uma leva do pudim de queijo com calda de goiabada e ela fez.
A festa foi ótima e hoje virou uma data lendária pois naquela dia, 17 de abril de 1996, dia do meu aniversário e na noite da minha festa, talvez a única festa que eu fiz para mim mesma, ocorreu o cruel massacre de Eldorado de Carajás, no Pará. Esse massacre é simbolico de tudo o que é ruim no Brasil, o desrespeito absoluto pelo pequeno trabalhador rural, pelas comunidades tradicionais do Brasil e pelos trabalhadores sem terra.
Naqueles dias eu vivia atrás de um certo moço (que nao será nomeado), um fotógrafo fantástico que trabalhava comigo no jornal e que, naquela época, já fazia coberturas incríveis. Ele viria a fazer outras tantas coberturas fotográficas ainda mais sensacionais e emocionantes. Enfim, o tal moço era o convidado especial da minha festa, ele viria para a festa, nós iríamos ficar juntos e ele iria passar a noite. Mas o inevitável aconteceu. Ainda no começo da noite o jornal ligou, um editor desesperado e ele foi forçado a pegar um vôo fretado de última hora para o longínquo estado do Pará. Naquela noite trágica o meu moço me deixou sozinha para ser o primeiro fotógrafo de São Paulo a chegar ao local da tragédia. Ele conseguiu registrar imagens impressionantemente dolorosas dos corpos dos trabalhadores rurais massacrados pela Polícia, no pequeno posto de saúde que serviu de abrigo para os corpos e a perícia. Aquelas fotos chocaram o país e fizeram história, páginas tristes da nossa historia recente.
Impressionante o poder das lembranças. Mas me perdoem se por acaso causei algum constrangimento ao misturar amor e tragédia com comida. Eu tenho o hábito de fazer conexão entre eventos e coisas que ocorrem simultaneamente, uma forma de me lembrar. E no fim misturo pudim com a violência contra o homem do campo na região amazônica, onde os pequenos são diariamente esmagados pela ambição e a crueldade sem limite dos grandes e poderosos senhores de terra modernos. Meu moço, aquele que eu tanto desejava em 1996, voltou para SP muitos dias depois, mas nosso romance não foi muito longe. Poucos meses depois ele foi transferido para a Sucursal de Brasília e a coisa esfriou.
Ele e aquela senhorinha querida dos doces permanecem como boas lembranças da minha vida. Juntos como este pudim-mousse-creme de queijo com calda de goiaba habitam meu imaginário, são lembranças poderosas. E hoje, cada vez que eu celebro o meu aniversário, eu também celebro o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária instituído em 2002 pelo presidente FHC em homenagem aos mortos de Eldorado de Carajás. Parece que o meu destino estará para sempre ligado a luta pela reforma agrária, mesmo que eu não fosse uma grande ativista.
Taça de queijo com gelatina de goiabada e farofa de castanha do pará (Brasil)
200 gramas de queijo cremoso
100 gramas de iogurte natural
50 gramas de mel
1 colher de chá de extrato puro de baunilha
Gelatina de goiabada
100 gramas de goiabada cascão
100 ml de água + 2 colheres de sopa para amolecer a gelatina
1 colher de chá de gelatina em pó sem sabor
Separe 4 taças e tire o queijo da geladeira para ficar em temperatura ambiente.
Coloque duas colheres de água num pires e salpique com a gelatina e deixe amolecer. Enquanto isto dissolva a goiabada na água fervente e adicione mais água se necessário, mas adicione aos poucos para não aguar demais a goiabada. Quando a goiabada ferver e derreter totalmente, formando um calda lisa, mas densa, adicione a gelatina e mexa até dissolver totalmente. Coloque a gelatina de goiabada no fundo de 4 taças e leve para gelar.
Quando a gelatina estive levemente endurecida prepare o creme de queijo. Bata com um fouet ou colher de pau o queijo, o iogurte, a baunilha e o mel até formar um creme bem homogêneo, sem pelotas. Distribua nas taças sobre a gelatina de goiaba e leve para gelar por umas 3 a 4 horas. Sirva com farofa de castanha do pará. Se preferir use migalhas de biscoitos que fica ótimo também.
Se usar goiabada com pedaços de goiaba melhor ainda, os pedaços ficarão ótimos na gelatina.
Farofa de castanha do Pará
5 castanhas do pará
1 colheres de sopa de manteiga gelada
2-3 colheres de sopa de açúcar
Triture as castanhas no processador e misture com a manteiga e o açúcar usando as mãos até formar uma farofa. Salpique sobre as taças na hora de servir.
Comentários
O mundo é um palco de muitas tristezas desnecesárias. Lamentavel...
A história parece de romance. Neste caso, foi um capítulo da sua vida.
Quanto ao doce, embora eu nunca tenha provado, imagino que seja delicioso, pois eu gosto muito de todos estes ingredientes.
Aqui temos Mousse de Maracujá hoje para aproveitar uma garrafa de suco que foi aberta.
Bjs :)
Esse doce tem uma mescla de ingredientes bem brasileiros. Pena que o país seja marcado por episódios bem mais amargos...
Faço um biscoito envolto numa farofa de castanha-do-brasil que é um dos mais saborosos. Ainda não publiquei, mas merece ser.
Um beijo!
Por outro lado, há momentos que preferimos esquecer, mas todos sabemos que o amor e a tragédia farão sempre parta da vida do ser humano...Temos de fazer a nossa parte, ou seja, com todo o Amor possível, atenuar o sofrimento que advém da tragédia...
Divagações todas causadas por esta deliciosa sobremesa, que há de ser preparada e saboreada no meu lar e talvez...esses momentos também terão algo de especial e ficarão gravados..quem sabe?
beijinho.
Essas memórias ligadas a determinados pratos, são muito fortes. Ainda bem, não é verdade?
E essa combinação do queijo com a goiabada, sempre é fantástica.
Beijo.
beijinhos.
Tudo de bom para vocês sempre!
Bjs.
Um abraço e um ótimo final de semana!