Em terra de framboesas polares...
Ontem foi um dia lindo de calor e a temperatura chegou aos 26C (hoje também foi um dia quente e ensolarado). Se não foi o último dia de verão pode ter sido o penúltimo pois dias como ontem e hoje não duram muito por aqui. Fazia umas duas semanas que a temperatura não chegava na casa dos 20C mesmo com sol. Choveu uns dias e o tempo deu uma virada anunciando o final do verão. Mas esta semana a coisa melhorou bastante para a minha alegria e ontem fomos todos a praia, o dia estava lindo de morrer, o mar geladérrimo, e nem as crianças conseguiram ficar muito tempo na água. Depois de umas duas horas ao sol fomos catar multe (também pode ser escrito molte) nome norueguês da planta Rubus chamaemorus que em inglês é conhecida como cloudberries. Em português a multe é chamada algumas vezes de framboesa polar e outras de amoras brancas silvestres apesar de não serem brancas, mas amarelas e laranjas.
A colheita das multe (vou usar o nome norueguês pois não gosto da designação em português) é um momento aguardado e quase solene aqui na Noruega. Nos demais países nórdicos a coisa é semelhante. A minha explicação para a adoração a esta fruta baseia-se em dois motivos: (1) o fato da parte norte do hemisfério norte não contar com uma grande bio-diversidade e, (2) a altíssima auto-estima dessa gente. O povo aqui se pega com fervor ao pouco que lhes é local, nativo, endêmico. Por que o amor pela multe precisa de explicação? Porque essa frutinha é muito ruinzinha mesmo. Eu sou uma adoradora/devoradora de frutas, de bagos de todos os tipos, como todos com prazer. Olha que eu gosto de siriguela, caja-manga, mangaba, jambo, jamelão, pitanga e jacas. Juro, já subi muitas jaqueiras para pegar jaca, fruta que já comi como se fosse a última escalando a Pedra da Gávea num verão carioca muito quente. Mas enfim...
A preciosa multe dos noruegueses tem gosto de madeira, madeira amarga. Um sabor que na língua inglesa tem o nome tart que quer dizer um sabor amargo cortante. Eu estou sempre tentando lembrar o que é que tem o mesmo sabor da multe, mas não consigo. Tem um gosto assim de incenso, de sandalo talvez.
A primeira vez que eu provei foi na casa da sogra que serve bacias de multe para comer com chantilly e para acompanhar bolos e tortas. Essas amorinhas amarelas selvagens são da família das framboesas mas o sabor não tem nada a ver com framboesas. Meu amado Per diz que é um sabor adulto, para aficionados. Concordo totalmente, é um sabor distinto, diferente de tudo. As multe são parte fundamental da mítica nórdica, são frutos (bagos) polares que resistem a temperatura de -40C, frutos que remetem a era do gelo. Fazendo uma analogia, as multe são o que há de mais parecido com a gente daqui. Se for para comparar os escandinavos com alguma espécie do mundo natural eles são exatamente como esses baguinhos amarelos, muito delicados, mas ao mesmo tempo muito resistentes e suculentos. Sobrevivem bem em ambiente hostil, temperaturas baixíssimas, não reproduzem com facilidade e por isso não se encontram em grandes quantidades pela aí.
Os antigos povos Sami da Noruega usavam multe como remédio assim como os Esquimós do Alaska e outras nações indígenas do norte do Canadá. A multe tem bastante vitamina C e isso ajudou a proteger os povos antigos do Ártico contra uma série de doenças, como escorbuto. As multe nascem nos charcos, em solos cheio d'água e para achar as frutinhas nós tivemos que enfiar os pés na água. Achamos muitas, algumas ainda verdes e outras maduras demais, estavam nos pés dos pinheiros, nas árvores que ficam nas bordas da floresta. Elas gostam de sol mas se escondem no pé das árvores onde há mais água quando o período seco foi mais intenso, como aconteceu por aqui esse ano.
Umas multezinhas com algumas colheradas de açúcar para fazer uma geléia...
voilá, minha geléia de multe...
A geléia-calda vai acompanhar um creme de baunilha que eu fiz para o meu amor. Eles gostam de comer multe com creme e por isso eu fiz uma paninha, mais uma, de baunilha para acompanhar. Eu tinha creme de leite sobrando mesmo, tinha que usar...
Panna cotta de baunilha com calda de framboesas polar (multe)
Para a geléia de multe (molte)
300 gramas de multe (na ausência, use a tipo de frutinhas que desejar)
180 gramas de açúcar cristal
1 colher de sopa de suco de limão siciliano
Como:
Leve as frutas, açúcar e limão ao fogo médio e mexa até ferver. Quando ferver abaixe o fogo e deixe cozinhar por cinco minutos. Retire do fogo e deixe esfriar. Transfira para um pote de vidro esterilizado. Sirva fria.
Para a panna cotta:
250 ml de creme de leite (usei 28% de gordura)
300 ml de leite desnatado (usei com 0,1% de gordura)
4 colheres de sopa de açúcar
Raspas de meia fava de baunilha ou uma colher de chá de extrato natural de baunilha
2 colheres de chá de gelatina em pó sem sabor
3 colheres de sopa de água fria
Como:
Numa panelinha de fundo grosso coloque o creme, o leite, as raspas de baunilha (se for usar extrato adicione no final) e o açúcar cozinhe em fogo médio até ferver. Enquanto o leite cozinha amoleça a gelatina na água. Quando o creme ferver retire a panelinha do fogo e adicione a gelatina amolecida. Mexa bem para dissolver a gelatina totalmente. Distribua em tacinhas ou copos de vidro. Deixe esfriar e leve para gelar por pelo 3 horas antes de servir.
Sirva com a calda de multe.
Serve 4 porções.
Comentários
Não fazia a menor ideia que existiam essas bagas, parecem amoras, mas amerelinhas, tão giras!! Pena serem amargas :)
Mas transformadas em geleia e com essa panninha, de certeza que as comia ;)
Bjs
bjo querida
Muito interessante essas amorinhas. Já que não são doces, parecem ficar perfeitas em forma de geléia. Nada se perde!
Bjs :)
Um beijo grande!
Paula
Eu adoro fazer analogias entre povos, pessoas, culturas e espécies do mundo natural... Meu lado deboche fica a toda. Mas com os escandinavs eu acho que fui até boazinha. Já a geléia, bem, nem a geléia eu consegui.
Bj.
Glau,
amei a lembrança do "tuim" no ouvido, lembro bem desse efeito. Mas no caso das multe não é nem o amarog nem o azedo que me pega é o perfume de charco, de madeira molhada, esquisitão demais. Eu adoro coisas azedas e amargas quando o perfume da coisa em si é bom, no caso das multe não salva nada. Mas eu estou talvez exagerando... bj.
Clauzinha,
Eles aqui também não comem muito as multe se não estiverem adoçadas ou em forma de geléia. Sem perdas... Bj.
Verena,
O sabor é diferente de tudo o que eu já provei, um perfume forte amadeirado, lembra sândalo, mas como todos os bagos é azedinho e daí se presta muito bem em geléias. A paixão dos noruegueses é cultural, que vem com a consciência e não como uma opção culinária. Bj.
Paula,
Que bom que você gostou do blog, volte mais. Fui visitar teu blog e achei uma graça a idéia da loja. Bj.
Fernandinha,
que saudades, precisamos nos falar pelo skype de novo rápido. Eu quero saber como está tudo em SP... Beijos querida!
Claudia
Eu gosto de multebær, ano passado a sogra mandou um vidro de geléia pra meus pais, que adoraram e devoraram tudo. Mas eu sou um urubu, como qualquer coisa - e adoro fruta, menos jaca!
Aqui no meu pedaço também comem as multe frescas, amassadas com açúcar, e com leite, como um mingau frio. Eu comi e viciei!
PS - ainda corro todos os dias pra caixa do correio a espera de certas sementes vindas de Trondheim... Sem pressão, é só a curiosidade mesmo.
beijo
Nunca ouvi falar desses frutinhos, mas a cor é bonita e esse sabor deve ser bem exotico.
Acho o máximo aí na Noruega haver tantas espécies de frutinhas/bagas selvagens, adorava também eu ir apanhar algumas, mas por aqui só há mesmo amoras!!!
Bjs
Que bom que você gosta de multe, assim como sem problema. Eu tenho horror do cheiro e só de ver já me dá bode, mas eu gosto de ir colher. Mas acho que sou uma urubu maior do que você pois quem é que você conhece que gosta de jaca?
O Per comer toda a geléia que eu fiz com um pudinzinho de baunilha e hoje queria ter ido colher mais.
Eu também dei para o meu pai um vidro de geléia de multe e ele não se empolgou nem um pouco, acho que comeu porque come qualquer coisa mesmo (risos).
Olha, acabei atrasando o envio dos pacotes por problema de férias, ficou no escritório esperando a gente voltar pois a lojinha do correio estava fechando mais cedo, as 15h na universidade no verão. Mas em breve estará aí.
Alcina,
Parece que são muitos bagos diferentes mas no fim a coisa é pouca. São uns seis tipos de bagos diferentes e olhe lá e a maioria se acha em todo canto. A variedade aqui é pequena mesmo e isso explica a minha loucura com as colheitas.
Bj,
C.
O creminho com esta geléia me parecem feitos um para o utro.
Bjs!
Vou procurar.
Beijo